Como um “millenial”, ou seja, alguém que nasceu entre 1981 e 1996 e no auge dos meus 35 anos já me peguei algumas vezes pensando em comprar um imóvel.
Um lugar do meu jeito, com a minha cara e de quebra que fosse confortável também para minhas filhas e companheiras caninas.
Inclusive, não é incomum eu me pegar pesquisando imóveis que em termos de normalidade (ou continuidade de meus ganhos financeiros) jamais terei condições financeiras de comprar.
Esse um dilema que bate diretamente na maioria da galera entre os 30 e 45 anos, grupo composto por trabalhadores principalmente autônomos e informais, embora uma minoria seja CLT que, enfrenta a difícil missão de sobreviver mês a mês com o que ganha e quando sobra uma grana, pensar:
“Guardo esse montante para o futuro imóvel ou para alguma experiência, como uma viagem?”
A resposta, é claro, varia de pessoa para pessoa, contudo é impossível negar que há influência de fatores culturais, sociais e econômicos, além de pressões e metas pessoais.
Pensando na questão da cultura brasileira, há uma grande valorização na questão de propriedade.
Ter um imóvel é visto como um marco de sucesso e estabilidade, algo ali na linha de um rito de passagem para a vida adulta.
Desde que somos crianças, a gente sofre um bombardeio informativo de que possuir um imóvel é um objetivo essencial e uma segurança para o futuro.
É por isso que muitos que chegam à casa dos 40 anos se sentem fracassados se ainda não tiverem comprado suas casas.
Mas essa visão tradicional não está nem um pouco alinhada às realidades econômicas e de mercado atuais.
A pressão social/cultural e a comparação com terceiros, principalmente nas redes sociais sofre ainda com um agravante: A mentira da meritocracia.
Muita gente acredita que o esforço individual é suficiente para garantir a aquisição de um imóvel.
Mas, essa é uma ideia simplista e extremamente ilusória.
Cada vez mais a meritocracia vem sendo propagada como um ideal, que não leva em conta desigualdades enraizadas num sistema que dificulta o acesso à moradia.
Aqui é preciso relembrar que o óbvio precisa ser dito.
E nesse ponto o óbvio é que nem todo mundo que trabalha duro e economiza vai conseguir comprar uma casa.
Custos de vida altos, baixos salários, falta de oportunidades justas são barreiras reais que nem sempre podem ser superadas apenas com esforço e dedicação pessoal.
Mais uma questão é o valor do dinheiro nos dias de hoje frente à realidade econômica de outrora.
Algumas décadas atrás, comprar um imóvel (ou um terreno e construir) era um objetivo mais acessível para muitos brasileiros.
Os preços dos imóveis eram mais baixos em relação à renda média e a economia permitia uma maior segurança financeira.
O mercado imobiliário sofre com valorizações significativas, além de especulações e custos de compra e manutenção de um imóvel hoje são proibitivos para MUITA gente.
Além do mais, os juros de financiamento de imóveis por aqui são pornograficamente altos.
Em duas ocasiões eu fiz simulações de juros e valores finais para financiar um imóvel.
Pensei ingenuamente: “Se o valor das parcelas for igual ao do aluguel, por que não?”
Mas ao me deparar com uma realidade absurda em termos de parcelas e custo total, voltei para minha realidade: aluguel ad eternum.
Muitos coaches de finanças descolados da realidade da maioria ainda insistem em simplificar o processo de aquisição de um imóvel.
Nessa simplificação, estão dicas banais no melhor estilo: “não tome café na rua e em alguns anos você poderá dar entrada na sua casa”.
E aqui a gente pode fazer uma conta besta, bora?
Peguemos uma pessoa que trabalha em um grande centro como São Paulo, que trabalhe em regime presencial como na antiguidade dos Incas, Maias e Astecas (ironia ativada), gaste R$ 8,00 por dia em um café.
Simplificando em 22 dias úteis por mês, essa pessoa gastaria R$ 176 por mês em cafézinhos (superfaturados, sim).
Em um ano seriam R$ 2.112,00.
Em dez anos R$ 21.120,00.
Se a gente pensar que um cubículo de menos de quarenta metros quadrados em São Paulo custa de quatrocentos mil reais para cima, essa pessoa que se privou do cafezinho para fugir das amarguras da vida não teria nem 10% para dar de entrada tivesse deixado de lado sua dose diária de cafeína.
Ou seja, além de ingênuos, esses coaches de finanças, são também desonestos do ponto de vista sentimental.
A porra de uma economia feita ao deixar de tomar um café não se compara aos custos massivos envolvidos na compra de um imóvel.
E por fim, a gente pode dizer que vivemos numa era de investimentos acessíveis.
Sim, isso é verdade.
Todos podem investir, mas os retornos serão únicos e individuais, de acordo com o que cada pessoa ganha, gasta e consegue guardar.
Adquirir um imóvel envolve não apenas o custo da compra.
Há também despesas como escritura, manutenção e possíveis desvalorizações.
Por outro lado, investir dinheiro em aplicações financeiras é capaz de gerar rendimentos e proporcionar uma maior flexibilidade de grana.
O dinheiro investido pode crescer ao longo do tempo, enquanto um imóvel pode se depreciar, dependendo, é claro, de uma série de nuances - localização, condições de mercado, especulação imobiliária (e agora fatores climáticos).
Existem ainda aqueles que não querem ter uma casa própria, pois têm o espírito nômade e preferem poder ser mudar de tempos em tempos. E isso também deve ser levado em conta nessa equação filosófica.
A grande verdade é que não existe uma resposta absoluta entre o que escolher.
E aqui eu acho que vale cada um avaliar sua realidade, desejos pessoais e metas de vida, assim como a questão de ser bem-sucedido. Algo que varia de pessoa para pessoa.
Como citei no começo do texto, eu adoraria ter um imóvel do meu jeito, mas se for guardar dinheiro para comprar, talvez consiga ali por volta dos meus 75 anos de idade.
Mas até lá, teria que deixar de tomar meu café, gastar com lazeres e abandonar todo e qualquer tipo de “entretenimento secundário em minha vida”.
Da mesma forma que desejo ter um canto para chamar de meu, também quero conhecer um sem número de países mundo afora.
Assim, tenho optado por acumular experiências e estou bem com isso, o que para mim hoje é mais sensato, realista e gratificante.