Te pergunto de bate e pronto: Você gosta de trabalhar?
Que direto. Que agressivo, não é mesmo?
Talvez.
Mas a grande verdade nos dias atuais é que (para quem não é herdeiro), se quisermos algo, independente do que seja, vamos ter que trabalhar para ganhar dinheiro e consequentemente alcançar o que é de nosso desejo.
Sou criado em uma família onde todos trabalham desde cedo. Eu mesmo comecei a trabalhar aos treze anos de idade.
Mantendo o cerne da questão, quem nunca ouviu de alguém: “O trabalho dignifica o homem”.
Eu particularmente não sei se é bem assim.
Isso me faz questionar a você que me lê e a mim mesmo: “Será que alguém gosta de trabalhar?”
Do meu ponto de vista, se tem algo pior em nossa cultura do que trabalhar, é o fato de ter que gostar do trabalho.
Logo, não basta que empregadores comprem nosso tempo. Eles também querem nossa alma.
O conceito de trabalho é amplo.
Por exemplo, regar minhas plantas, lavar minha louça, o banheiro da minha casa, são trabalhos pra mim, mas não remunerados.
Dei esse exemplo apenas para deixar claro que o texto de hoje diz respeito ao trabalho pago.
Hoje, o trabalho ocupa um espaço muito grande na vida de muita gente (e isso é triste).
Como se sabe, o dia tem vinte e quatro horas e a maioria das pessoas passam cerca de oito horas na labuta (isso sem considerar o deslocamento e afazeres domésticos).
Logo, por meio de uma conta simples é fácil concluir que passaremos mais da metade dos nossos dias trabalhando.
Eu conheço muita gente que ao ir trabalhar age como se estivesse indo para masmorras, mas não consigo julgá-las de forma negativa.
Antes da pandemia, muita gente trabalhava de maneira automática, pensando apenas no ordenado.
Depois que a pandemia chegou (e se foi) é grande o número de quem busca cada vez mais um sentido no trabalho, embora eu acredite que isso é algo distante da realidade da maioria.
Contudo, há outra célebre frase do mundo do trabalho que diz: Trabalhe com o que você ama e nunca mais vai amar nada.
Dentro do meu ponto de vista, isso também é certeiro.
Tudo o que fazemos por prazer, quando passa a ser feito por obrigação acaba perdendo de alguma forma o seu encanto.
Se a atividade se torna remunerada, é porque existe alguém pagando pelo tempo, produto ou serviço.
O dinheiro recebido não é um presente.
Nesse caso, se existe um patrão ou um cliente, no caso de trabalhadores autônomos, o pagamento não ocorre devido ao fato deste terceiro gostar de você (ou de mim).
Assim, se consolida um negócio, seja ele formal ou não.
Ao trabalhador, cabe entregar o serviço ou produto. Isso é um compromisso, o que pode fazer do trabalho algo odioso, mesmo que seja algo do qual você goste ou que faça sentido pra você.
E depois dessa extensa introdução, que quero falar sobre assunto que dá título ao nosso artigo: o trabalho de empulhação.
Ouvi pela primeira vez o termo “trabalho de empulhação” enquanto escutava o episódio 96 da Rádio Escafandro, cujo título é: "Trabalhadores do Futuro Não Sangram” - clique aqui para ouvir.
O termo empulhação tem o seguinte significado no dicionário: mentir, ludibriar, trapacear.
É uma palavra cringe que caiu em desuso.
Logo, é possível concluir que um trabalho de empulhação nada mais é do que um trabalho de mentira, ou então, um trabalho enganoso… trapaceiro.
O termo, na verdade é uma tradução mais ou menos realista de “bullshit jobs”, título do livro escrito por David Graeber.
Segundo o autor, um trabalho de empulhação consiste em um cargo que, literalmente não serve pra nada. Que não possui impacto real na economia e que não faz diferença no mundo.
Gerente de produtividade; coaches; conselheiros; assessores; auxiliares de alguma coisa, que batem ponto das 8h às 17h sem causar nenhum impacto positivo no planeta são alguns exemplos de trabalhos empulhativos, segundo o autor.
Há uma citação na obra que afirma que mais de 40% das pessoas que trabalham hoje no planeta, têm certeza que seus trabalhos não servem pra nada.
O trabalho de empulhação é uma forma de emprego pago, completamente desnecessário e às vezes pernicioso em que, mesmo o empregado não consegue justificar sua existência.
De acordo com Graeber existem dois pontos importantes dentro dessa “forma de trabalho”.
O primeiro ponto, é o fato de que o trabalho de empulhação pode ser inútil sem causar efeito no planeta, ou ser pernicioso. Ou seja, ele faz do mundo um lugar pior.
O segundo ponto diz respeito ao reconhecimento por parte do trabalhador.
Ou seja, ele tem que saber que seu trabalho é de empulhação.
Um exemplo clássico: presidentes de grandes corporações, de modo geral, possuem um trabalho inútil ou pernicioso. Contudo, estão cercados de puxa-sacos, camadas de pompa, garbo e elegância, que muitas vezes não os permitem compreender que seus cargos são de empulhação.
A questão da autoconsciência é importante aqui.
Afinal, empulhadores que não sabem de sua própria condição, não sofrem o maior efeito de trabalhar num emprego dessa natureza: a infelicidade.
Já as pessoas que sabem que possuem um trabalho de empulhação, tendem a ser infelizes quando ocupam esses cargos.
O mais triste disso tudo, é o fato de que muita gente depende desse tipo de trabalho para sobreviver.
A realidade é que cargos de empulhação só existem por incompetência dos superiores, que cometem erros bizarros que precisam ser corrigidos por alguém (ou para egos que precisam ser acariciados).
Espero que esse texto te ajude a compreender se eu trabalho é um cargo de empulhação ou não, diante da possível tristeza que você sente ao ir trabalhar.
Digo ainda que, não acredito que haja um trabalho que agrade uma pessoa 100%.
E para finalizar, a prova de que trabalhar não é tão bom assim, é o fato de que o dia do trabalho (1º de maio) é um feriado, onde a maioria das pessoas simplesmente não trabalham.
Mesmo não conhecendo o termo, é algo que você, através das considerações, consegue "cutucar" a consciência de muitos e quiçá a consciência cidadã. Citando Fernando Pessoa " regar suas plantas", que para muitos não conhecem o sentido, você se pode estar se contradizendo, mas o que importa é que, como Pepe Mujica alerta, nós estamos vendendo nosso tempo muito barato e perdendo as horas, os dias ,os meses, os anos de nossa vida por algo tão menos importante - coisas. O exercício de uma função deve nos dar a satisfação de estarmos contribuindo para algo maior, mas numa sociedade desigual e insensível só nós resta tentar despertar na humanidade que somos todos iguais e responsáveis por uma equidade social.