Janeiro branco e saúde mental
A responsabilidade dos profissionais de saúde e seus conteúdos vazios

Depois dos posts de final de ano, assim que entramos de forma literal em mais um “ano novo”, as redes sociais são invadidas por posts sobre o Janeiro Branco.
O Janeiro Branco, é uma campanha (importante) iniciada em 2014 que tem como objetivo a conscientização das pessoas sobre saúde mental.
A campanha busca chamar a atenção para que olhemos para a saúde mental como um aspecto vital para melhorar a qualidade de vida das pessoas, promover relações sociais que sejam mais saudáveis, além de transformações que sejam de alguma maneira positiva.
A escolha pelo mês de janeiro é estratégica. Afinal, como primeiro mês do ano, há muita gente que se abre para reflexões, mudanças, novas resoluções e estabelecimento de metas para o “ano que acabou de começar”.
Eu, como profissional da saúde, entendo que se trata de uma campanha importante, válido de se pontuar. Mas o texto de hoje tem como objetivo a reflexão, principalmente para quem cuja profissão é cuidar de pessoas.
Já escrevi aqui nesse espaço que vivemos um imediatismo de todos os lados. Buscamos dinheiro, aceitação e também saúde em espaços de tempo cada vez mais curtos.
Essa aceleração de tempo normalmente cobra um preço caro: a nossa saúde mental.
E para piorar essa questão, o acesso desenfreado que temos em relação à informação e conteúdo, acaba por piorar nosso bem-estar emocional.
Quem nunca se pegou olhando as redes sociais e se comparado que atire a primeira pedra.
Hoje virou quase uma obrigação: Se formou em uma profissão da área da saúde? Corra para as redes sociais.
Ter uma rede social, infelizmente faz parte da rotina da maioria das pessoas que trabalham com saúde.
Eu mesmo mantenho minha rede e odeio. Contudo, tento agir de modo coerente e evitar publicações com a massa.
Ter uma conta no Instagram, no TikTok, te faz um profissional ruim? Não necessariamente.
Mas, o que se vê de maneira ampla, são perfis que falam apenas mais do mesmo. Que postam conteúdos em forma de manada. Posts cíclicos.
Quando eu trabalhava como profissional de conteúdo na área da saúde, me peguei pensando várias vezes: em algum momento não vai ter mais o que essa galera postar.
E alguns anos mais tarde, minha profecia se tornou realidade.
Hoje, infelizmente a maioria dos perfis de profissionais da saúde, segue aquela linha básica:
Entra nas redes, compra seguidores, faz post patrocinado, tem pouco alcance, e repete temas ano após ano.
Janeiro branco, fevereiro laranja, março roxo (ou azul marinho), abril azul (a cor aparece em vários meses, inclusive)... e por aí vai.
Não é incomum aparecer posts patrocinados para quem é profissional da saúde, provenientes de agências que têm todo esse calendário já pronto.
Muitos, na ânsia de aparecer (e ganhar dinheiro), contratam essas agências e fazem posts literalmente vazios.
Infelizmente, isso acontece de forma cíclica, ano após ano e acaba tendo um impacto negativo na saúde mental de quem consome esse tipo de conteúdo.
Logo, quem opta por fazer esse tipo de contratação, acaba por entregar conteúdos rasos, pouco empáticos e que na maioria das vezes acaba por ter efeito contrário em termos de saúde mental.
Vivemos hoje um “boom” de atenção à saúde mental. O que é positivo.
Mas, é preciso que exista responsabilidade por parte dos profissionais de saúde.
Falar de saúde mental ainda é tabu para muita gente e não há uma maneira igual de tratamento para dois pacientes que sofrem com depressão, ou ansiedade por exemplo.
Já atuei no tratamento de pacientes com distúrbios de saúde mental, em conjunto com psiquiatras e psicólogos, onde a nutrição foi exclusiva para cada um deles.
Então, não dá pra eu postar, por exemplo, que um chá de camomila vai ter efeito ansiolítico como uma verdade absoluta, porque não vai!
Cada paciente é único e generalizar conteúdo dessa forma, afeta negativamente quem está me lendo ou assistindo.
Imagine a seguinte situação: Você é uma pessoa diagnosticada com ansiedade, com depressão, que tem problemas para dormir e vê em uma postagem minha que a camomila ajuda em todos esses aspectos.
O que você faz? Toma a camomila e não tem os seus problemas resolvidos.
Isso gera mais ansiedade, pode aumentar a depressão ou até mesmo piorar distúrbios de sono.
E isso é o que acontece na maioria das vezes: conteúdos vazios em redes sociais, que se fazem presentes, apenas para estarem lá e que são reciclados anualmente.
Dentro desse contexto, entram também os posts de janeiro branco.
A crítica é válida também para empresas que se aproveitam do tema.
Chovem posts em redes sociais como o LinkedIn de empresas dizendo que prezam pelos seus funcionários, chamando-os de colaboradores, familiares quando na verdade, não estão nem aí para nada.
Buscam apenas surfar na onda do tema para ficar bem na fita, enquanto o número de afastamentos por burnout só faz subir.
Quando se compara profissionais da saúde e empresas, os primeiros pelo menos têm base para falar sobre o tema, enquanto “firmas” mal entendem seu próprio RH.
Mas Murilo, existe solução para isso?
No meu entendimento, sim. Conteúdos naturais, que sejam coerentes e verdadeiros.
Nada de ir a favor da maré, em um comportamento de massa em busca de likes.
Li outro dia em algum lugar uma frase de Mark Twain que diz: “Toda vez que você se encontrar do lado da maioria é hora de parar para refletir”
Acredito que isso vale para nossas ações em geral e também para os conteúdos que postamos.
Então, você profissional da saúde que talvez esteja lendo isso (espero que você tenha chegado até aqui), pense na sua responsabilidade, tenha consciência das particularidades e individualidades de cada um de seus pacientes e sua audiência antes de buscar apenas por curtidas e visualizações, principalmente agora em janeiro (branco).
E por último, algo bacana de ter em mente e que quase nunca falha é o fato de que o bom profissional da saúde, dificilmente vai ter uma rede social badalada todos os dias.
Não vai ter post ao estilo: agenda de janeiro aberta, stories falando que o direct tá cheio de dúvidas depois do último post, isso porque estão ocupados sendo o que precisam ser: profissionais de saúde.
texto importante. adorei a frase de Mark Twain - não conhecia!
Sinto-me na obrigação de me policiar. Tendo formação e experiência em educação especial detecto sintomas com facilidade. Já fui diagnosticada há algum tempo com fibromialgia após ter sido avaliada por mais de um gastreontologista e suspeito que os sintomas denunciam Burnout. Já procurei psicólogos, psiquiatras e até coach. Busco na alimentação regular e na leitura, em viagens suportes, mas percebo minha falta de vontade de convívio, de viver...