Saúde pública sob o olhar da realidade
Algumas verdades necessárias e indigestas para quem vive fora das condições da maioria da população.
Já faz muito tempo que eu acredito na atuação da nutrição dentro de uma série de nuances voltadas à saúde pública.
Enquanto muita gente enxerga nutricionistas como meros “emagrecedores”, eu vejo a profissão por outra ótica.
A nutrição é uma profissão com um vasto campo de atuação.
Logo, o(a) nutricionista é capaz de promover e recuperar saúde, assim como prevenir condições crônicas.
É por isso, que hoje trago à tona uma questão que parece relativamente simples, principalmente para quem fecha os olhos para a questão da saúde pública: a de como levar uma vida realmente saudável.
Quando a gente fala de vida saudável, infelizmente é comum ouvir, inclusive de profissionais da saúde que muita gente é sedentária por ser preguiçoso, ou então, que para emagrecer basta fechar a boca.
Mas por que estou citando a questão do sedentarismo e do sobrepeso/obesidade de forma direta?
A resposta é simples!
De acordo com a OMS, hoje sedentarismo, sobrepeso e obesidade são fatores primordiais para o surgimento de condições de saúde crônicas não transmissíveis.
Ou seja, que estão diretamente relacionadas ao estilo de vida.
Entre os exemplos mais clássicos é possível citar: hipertensão arterial, problemas respiratórios, diabetes e cânceres.
De acordo com o último levantamento da Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 1 bilhão de pessoas hoje são obesas no mundo.
Falando agora exclusivamente de Brasil, um estudo recente, divulgado pela Unifesp mostra que até 2030, 7 em cada 10 brasileiro terão sobrepeso - algo na em torno de 68%.
Já na faixa de obesidade, 1 em cada 4 brasileiros deve ser obeso a partir do ano de 2030.
Não é à toa, que o excesso de peso já é considerado um problema epidêmico de saúde em escala global.

Por aqui, onde podemos contar com o SUS, trata-se de uma questão que cada vez mais traz custos aos cofres públicos, além de sobrecarregar toda uma estrutura defasada já existente.
Falar isso é chover no molhado? Sim!
Mas o que quero mostrar agora é que, a realidade da maioria esmagadora dos brasileiros não permite levar uma vida tão saudável quanto a mídia, influenciadores, blogueiros e até mesmo profissionais da saúde dentro de uma bolha divulgam.
Existem hoje diretrizes da OMS para a prática de atividades físicas e comportamento sedentário, contudo colocá-la em prática não é tão simples quanto parece.
Falando de maneira simplória, as principais formas de se manter saudável por meio da atividade física requerem poucos minutos de movimentação corporal diariamente.
Além disso, recomenda-se fazer pausas no trabalho e não permanecer sentado por mais de uma hora seguida, se trata da parada inteligente, para alongamentos e pequena caminhada pelo setor do trampo.
Se pensarmos em saúde pulmonar e mental, há ainda questões como: tabagismo, interação com a natureza, além de ficar longe de telas.
Um verdadeiro conto de fadas se a gente levar em consideração a realidade de muita gente, não é mesmo?
Então, bora colocar tudo isso abaixo de maneira lógica e direta!
Como uma pessoa que se levanta para trabalhar sem que o sol tenha raiado e chegue em casa com o céu já estrelado depois de ter perdido horas no transporte público para trabalhar vai arrumar tempo para se exercitar?
E aquele(a) funcionário(a) que trabalha com telemarketing 8h por dia sentado que não pode nem ir ao banheiro durante o expediente?
Você que está lendo esse texto pode não imaginar, mas esses dois exemplos são extremamente comuns.
Pois bem, sigamos além. Vamos falar de saúde pulmonar.
Um estudo feito pela USP, ainda em 2019, mostrou que uma hora de deslocamento no trânsito de São Paulo equivale a fumar 5 cigarros.
Para quem não precisa enfrentar o trânsito (situação rara), o simples fato de morar e respirar na capital paulista é o equivalente a fumar 4 cigarros por dia.
A situação é ainda pior para quem vive nas periferias.
Ah… e lembra da saúde mental? Então, o simples contato com a natureza, poucos minutos todos os dias já são suficientes para aliviar tensões e promover sensação de bem-estar.

No entanto, o que mais falta em grandes centros (principalmente no Brasil) são áreas verdes e protegidas (a especulação imobiliária acaba com tudo).
Coloquemos então, uma personagem fictícia nessa situação:
Nossa personagem mora longe, precisa acordar cedo, enfrentar trânsito e transporte público muitas vezes ineficiente para chegar ao trabalho, passar o dia sentada em frente a telas, enfrentar mais trânsito para chegar em casa já a noite e ainda tem que lidar com afazeres domésticos de diferentes naturezas.
Por que ela entra nas estatísticas de sobrepeso e obesidade? Por que ela não se esforçou o suficiente? Por ser preguiçosa?
A situação é ainda pior para a mulher que é mãe (inclusive, essa é uma Seara que pretendo explorar em textos futuros).
E como coroação desse problema, eu ainda cito o consumo dos ultraprocessados, que são alimentos com alto teor calórico.
O ganho de peso, na maioria dos casos, é o resultado de se consumir mais calorias do que se gasta.
E o que temos à disposição hoje é uma grande oferta de alimentos ricos em calorias vazias, que possuem valores acessíveis e são tão ou mais baratos quanto frutas e legumes.
Um exemplo que ganhou as discussões (discussões, não debates) foi o preço da batata frita de uma grande rede de fast food na última black friday: R$ 2,90.
Um salgadinho ou um pacote de bolacha recheada é mais barato que um quilo de maçã ou banana, por exemplo.
Aqui, você pode argumentar comigo: “Mas Murilo, aí cabe o bom senso da pessoa em fazer uma escolha correta”.
Sim, concordo!
Mas a pessoa precisa ter acesso ao conhecimento para poder fazer esse tipo de escolha, sem sofrer influência da gordura vegetal hidrogenada, do açúcar e do glutamato nas áreas de recompensa do cérebro.
Isso sem contar o lobby de empresas de alimentos pouco saudáveis para cima de governos e estratégias de marketing.
Já tem estação de metrô com nome de refrigerante.
Assim, você pode me questionar: “Vai lá sabe tudo, qual é a solução para melhorar a saúde de geral?”
A solução é simples: investir em prevenção!
Levantamentos mostram que o investimento de cerca de um dólar por pessoa em saúde pública pode salvar até 7 milhões de vida até 2030.
Esse investimento pode ser feito de diferentes formas e passa principalmente pelos setores públicos e privados.
No âmbito público é possível citar medidas simples que fariam grande diferença na vida e saúde da população:
Educação nutricional nas escolas;
Planejamento de desenvolvimento urbano de grandes centros, dando prioridade a parques e transportes públicos mais funcionais e com menor ação poluidora;
Apoio e subsídios a pequenos produtores de alimentos orgânicos;
Já no setor privado, o ideal seria uma redução da jornada de trabalho e a adoção do regime de trabalho homeoffice.
E aproveitando o ensejo, porque não uma semana de trabalho com 4 dias úteis?
Já há empresas no Brasil que adotaram esse regime e viram a eficiência e produtividade dos funcionários aumentarem. Com mais dias de descanso, é possível dar mais atenção à saúde física e mental.
Esse texto contém altas doses de utopia por minha parte, mas ela vai além.
Meu objetivo aqui é mostrar para pessoas do meu convívio e para profissionais da saúde que a manutenção da saúde é muito mais do que simplesmente força de vontade, ou foco, força e fé.
É preciso empatia. É necessário entender a realidade das pessoas que são maioria no país. Em outras palavras: é preciso sair da bolha!
Caso contrário, quando o assunto for saúde, estaremos sempre focados em um tratamento que não trata a causa. Ou seja: seremos eternos enxugadores de gelo.
Maravilhosa sua explanação..A sociedade precisa de ser alertada.
Triste realidade do trabalhador brasileiro que se mata o dia todo, perde horas no transporte público e ganha pouco!