Nunca contei por aqui como cheguei até a nutrição.
Acredito que seja importante contar, para que esse texto faça mais sentido - tanto para nutricionistas, como também para pessoas que possuem um olhar simplório sobre a profissão e os profissionais.
Depois de alguns anos como biomédico, notei que trabalhando com controle de qualidade e fazendo exames, pouco poderia fazer pelos pacientes.
Justamente, nessa época, passei a me interessar mais por atividades físicas e na busca por melhora de desempenho, comecei a pesquisar sobre alimentos e suplementos que poderiam me ajudar.
Assim, me matriculei em uma pós-graduação de nutrição esportiva puramente por “hobby” para adquirir conhecimento apenas para mim.
Gostei tanto do conteúdo, que no semestre seguinte estava fazendo faculdade de novo (sim, fiz pós-graduação e faculdade novamente de forma simultânea durante algum tempo).
Como paciente, tive um contato com a nutrição em meados de 2009. Na época, o atendimento foi feito por uma nutricionista famosa na cidade. Embora tenha atingido meus objetivos, hoje, com meu olhar de nutricionista, vejo que a consulta foi desumana e restritiva.
Logo, o objetivo deste texto é jogar luz a uma questão simples e óbvia: muitos nutricionistas deixaram a humanidade de lado durante os atendimentos.
Posso estar equivocado? Sim!
Mas hoje a melhor forma de acompanhar “muitos colegas de profissão” se dá por meio de redes sociais.
Embora tenha me tornado pouco ativo nas redes, acompanho a movimentação da nossa classe profissional e o que vejo, realmente me incomoda.
O primeiro ponto que foi deixado de lado por muitos profissionais foi a escuta empática. Uma simples conversa, onde o nutricionista deixa o paciente falar, permite diagnósticos precisos, além de traçar estratégias funcionais e individuais.
Mas tempo é dinheiro, principalmente quando planos de saúde entram na jogada pagando valores irreais.
O modismo é outro ponto incômodo. Nutricionistas são bombardeados diariamente por representantes de suplementos, além de um excessivo número de congressos (esse tema terá um texto só para si no futuro próximo).
Se inteirar das novidades é importante, ok? Conhecer suplementos novos, assim como participar de congressos são estratégias fundamentais para todo e qualquer profissional da saúde - e “nutricionistas” fazem parte desse contexto.
Contudo, é necessária a existência de um crivo crítico. Há suplementos com estudos rasos, assim como estratégias únicas que NÃO funcionam com todos os pacientes.
Ter um olhar crítico é fundamental para evitar modismos, além de não colocar a saúde dos pacientes em risco.
A radicalização é outro fator que impede muitos nutricionistas de um atendimento humano.
Infelizmente, ainda é comum ver e ouvir de nutricionistas que só não emagrece quem não quer; que existe o dia do lixo (como pode um nutricionista chamar comida de lixo?) e que em datas comemorativas, a dieta tem que ser mantida.
Discordo de tudo isso, inclusive do termo dieta.
Agora, os últimos dois pontos que quero levantar são: a falta de consciência de classe e o desrespeito à soberania e à rotina alimentar.
Vejo muitos nutricionistas elaborarem planejamentos alimentares caros e complicados, que vão na contramão da realidade de mais de 90% da população brasileira.
Está mais que comprovado, inclusive do ponto de vista científico de que o simples na nutrição funciona, e que a prescrição de suplementos sem resultados de exames em mãos é perigosa à saúde e lesiva ao bolso.
Se um paciente relata dificuldades para dormir, por que não prescrever uma infusão de camomila (ou erva doce) no final da tarde, e na ceia uma banana com cacau em pó - que são alimentos precursores de serotonina (neurotransmissor que promove bem—estar e tranquilidade) e ao mesmo tempo baratos ao invés de um suplemento à base de triptofano ou melatonina, que são caros?
E por fim, a falta de respeito à soberania e à rotina alimentar é outro fator que torna muitos nutricionistas desumanos.
Já ouviu de vários pacientes: “Murilo, sei me alimentar bem, não quero um planejamento alimentar detalhado, preciso que você me ajude a organizar minha alimentação, com base na minha rotina”.
E tá tudo bem! Nesses casos, o trabalho do nutricionista, traz ainda mais resultados positivos.
Como mudar a rotina de alguém que acorda 3h antes de ir ao trabalho e não quer tomar café da manhã às 3h30 antes de pegar três conduções de transporte público?
Ou então, dizer para essa mesma pessoa que ele não deve jantar às 22h, horário que ele chega em casa?
Neste exemplo, ajustes pontuais e trocas inteligentes farão grande diferença na vida desse paciente.
É preciso ter em mente que cada ser humano é único, assim como sua rotina, preferências, culturas alimentares e acima de tudo sua classe social.
Individualizar de maneira empática é mais do que necessário nos dias de hoje.
Já passou da hora de deixar os stories, vídeos em redes sociais, status e modismos de lado e olhar com atenção e empatia para cada paciente.