O nutricionista que sabia de menos
Faculdade, especializações, cursos e congressos são perfumaria…
Desde pequeno Pedro (nome fictício), se interessava por alimentos, plantas e seus nutrientes e efeitos no organismo.
Era comum pedir para a avó materna, que dispunha de uma pequena horta nos fundos de casa, um “chazinho” depois do almoço. “É pra digestão, vovó”, solicitava o menino, repetindo apenas o que ouvia dela.
E assim, prontamente, dona Maria se dispunha a fazer uma infusão de erva cidreira, a qual Pedro tomava num só gole.
Os anos foram se passando e a curiosidade e o interesse do menino, agora adolesente, com relação aos alimentos, não cessaram.
Pedro bradava para quem quisesse ouvir frases do tipo:
- Tomate é rico em licopeno, poderoso pigmento de capacidade antioxidante, mas melhor absorvido na presença de gordura.
- Aveia tem beta-glucana, um tipo de fibra que melhora a imunidade.
- Consumir brócolis ajuda na formação de ácidos graxos de cadeia curta que melhoram a saúde intestinal.
Mesmo sendo de família simples e não abastada, ninguém estranhou quando Pedro prestou vestibular para nutrição e foi aprovado.
Ao longo dos anos de faculdade, Pedro trabalhou durante o dia e estudou à noite.
Mas isso não o impediu de reunir participações em palestras optativas, visitar congressos, se sobressair entre os colegas de classe e ser elogiado no estágio de nutrição clínica.
Diferente da maioria dos nutricionistas que chegam ao mercado de trabalho, Pedro não iniciou sua carreira nutricional na área de UAN, pois, rapidamente encontrou uma clínica para iniciar seus atendimentos.
Essa clínica, inclusive, foi de grande valia para o recém-formado, uma vez que era multidisciplinar, o que garantia a troca de experiência e informações com outros profissionais da saúde sobre casos clínicos de pacientes específicos.
Pedro nunca fora preguiçoso e precisava trabalhar, algo que já fazia desde a adolescência.
As pendências iniciais: anuidade do CRN, dividida em 5 vezes, descontos mensais de valores próximos de R$ 300,00 de sua conta corrente referente ao FIES, Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior.
Contudo, passada a excitação de chegar ao mercado de trabalho da profissão que escolhera, Pedro rapidamente notou que além da boa base fornecida pela faculdade, seria preciso se especializar.
Afinal, buscar conhecimento e se atualizar é importante e necessário, visando a recuperação, manutenção ou potencialização de saúde dos seus pacientes.
Antes de buscar uma especialização, o nutricionista fez algumas contas, os gastos agora eram maiores:
Mensalidades referentes a anuidade do conselho profissional, FIES, percentual de consultas para a clínica, programa para elaboração de planejamentos alimentares aos pacientes…
Ficaria apertado. Praticamente não sobraria dinheiro para lazer ou emergências, mas sim, conseguiria pagar por uma especialização.
Assim, Pedro iniciou sua especialização em nutrição clínica.
Rapidamente quis começar a aplicar seus conhecimentos recém-adquiridos em suas avaliações, consultas e retornos.
Entretanto, com o passar do tempo, Pedro notou que a maioria dos pacientes (para não dizer todos), já chegavam à consulta com algum tipo de conhecimento ou “comportamento viciado” pré-estabelecido.
- Vi no grupo de família no Whatsapp, que tomar limão com água morna em jejum de manhã emagrece. Adotei esse hábito e pretendo mantê-lo.
- Meu endócrino disse que não emagreço porque meu metabolismo é lento. Ele me receitou esse termogênico e disse para eu não parar de tomar em hipótese alguma.
- Fui ao nutrólogo e ele me disse pra seguir uma dieta cetogênica. Tá liberado bacon, salame, peito de peru, outros tipos de frios e banha de porco.
- Meu personal me disse que se eu cortar o glúten e a lactose eu vou emagrecer mais rápido, além disso, ele indicou alguns suplementos para eu tomar, que eu já comprei antes de me consultar com você.
- O coach de bem-estar que eu sigo no Instagram, disse que comer carboidrato à noite engorda, ou então, que dificulta o processo de emagrecimento. Tô seguindo o conselho dele.
Os meses se passaram.
Pedro foi avançando em sua especialização. Assim como na época faculdade, continuava um dos melhores da turma.
Passou também a frequentar alguns congressos. Afinal, novidades em termos de condutas, suplementos e afins sempre são bem-vindas. Isso sem contar no famigerado e necessário network.
Mas pouco adiantou.
Mesmo buscando reciclar seus conhecimentos, estar antenado às novidades, fazer cursos de extensão e sempre viver na corda bamba financeira, ficava claro para Pedro que para a maioria dos pacientes, ele sempre seria o nutricionista que sabia de menos.
Dura realidade.