Da proibição dos bingos ao golpismo
Como a ausência de entretenimento pode ter alavancado o apoio a uma tentativa de golpe de estado
Sabe-se que a história política do Brasil é permeada por momentos nos quais a democracia ruiu.
O mais recente deles, a ditadura militar (com M minúsculo), foi de 1964 à 1985, quando o Brasil entrou no que podemos chamar de “democrático”.
Não é segredo algum que democracias são frágeis, ainda mais quando se vive em um país no qual em um período menor do que quatro décadas, tivemos dois presidentes impichimados.
Assim, ouso dizer que esses quase quarenta anos sem autoritarismo ou ditadura, fazem com que nossa democracia seja uma jovem e frágil donzela, que quase levou uma rasteira no final de 2022 (e começo de 2023).
O objetivo do texto de hoje é divagar sobre como acontecimentos não tão distantes tais como: proibições de jogos, aumento de expectativa de vida, desinformação, etarismo e acolhimento de pessoas mais velhas mantêm nossa democracia em risco.
Então, vou voltar ao ano de 2004, onde o presidente em exercício era Lula e coube a ele proibir o jogo no Brasil.
Quando digo jogo, entenda como: cassinos, máquinas caça-níqueis e principalmente os bingos!
A proibição, ia contra o desejo do governo, mas após uma crise gerada por solicitação de propina por parte do subchefe da Presidência da República à época, tornou a situação insustentável.
E desde então, fecharam-se (daquele jeito) grandes casas de jogos país afora.
Aqui cabe um parêntese, eu quando criança jogava bingo e me divertia. Durante as férias na casa da minha avó com meus primos.
Os prêmios, geralmente, eram alimentícios: chocolates, pedaços de bolos e até mesmo gemadas.
Se era um entretenimento pra mim, imagina para quem já tinha trabalhado a vida inteira, estava aposentado e ainda podia ganhar uma grana? Sim, muita gente perdeu uma fonte genuína de diversão e acolhimento.
Aqui, um ponto sem hipocrisia, ok? Sabemos que os jogos estão proibidos no Brasil, mas há casas ilegais funcionando nas cinco regiões país afora.
Dito isso, sigamos.
Os anos se passaram, e sim, a vida do brasileiro de classes baixa e média melhorou. Isso é inegável.
Maior poder de compra, acesso a universidades, mais saúde e consequentemente aumento de expectativa de vida. Em outras palavras: Justiça social.
Os anos se passaram, o Brasil que tinha tudo para decolar, desacelerou, o que é natural, convenhamos.
Saltamos então, até meados de 2013, onde manifestações tomaram as ruas do país. O motivo inicial, diriam alguns fora o aumento de alguns centavos nas passagens de transporte público de São Paulo.
Eu (que não sou economista, tampouco cientista político, importante dizer) vejo de outra forma. Uma onda de insatisfação natural.
Desaceleração econômica, perda de poder de compra, dificuldade mais uma vez para se ter acesso à saúde e educação, acabou por desencadear manifestos pelos quatro cantos do Brasil.
Aqui, um processo de polarização mais acentuado começou, principalmente porque estávamos próximos a mais uma eleição federal, que ocorreu em 2014 e culminou na reeleição de Dilma Rousseff.
Após uma vitória por pequena margem, o candidato derrotado Aécio Neves, plantou o que podemos chamar hoje de ovo da serpente, ao solicitar recontagem dos votos por suposta fraude eleitoral.
Tempos mais tarde, o ex-candidato afirmou que não havia fraudes e solicitou recontagem apenas para “encher o saco” do partido vencedor.
Mas o estrago já estava feito.
2015 foi um ano economicamente difícil para o brasileiro, que já vivia em um clima de polarização.
Essas dificuldades foram sendo cada vez mais exaltadas por políticos de oposição, mídias tendenciosas e pessoas que não sabem muito bem a que classe social pertenciam, e culminaram em um segundo processo de Impeachment desde a era da redemocratização.
Durante o processo de votação do rito, um deputado que recentemente se autodenominou de: “baixo clero, fodido, gozado, escrotizado na câmara” chamou a atenção ao exaltar um torturador de tempos de ditadura”.
As viúvas do período antidemocrático então se eriçaram e nele se enxergaram.
Nas eleições de 2018, esse deputado que mamou nos cofres públicos durante 27 anos e que teve apenas dois projetos aprovados, foi eleito presidente. Eleição essa, segundo ele próprio afirmou ter sido uma cagada.
Chegamos a 2019, onde há uma massiva produção de notícias falsas circulando em aplicativos de mensagem que destoam totalmente dessa realidade.
Junte-se a essa questão de desinformação, o etarismo - preconceito com pessoas mais velhas, junto ao abandono e a falta de opções de entretenimento (cadê os bingos?), o que a gente tem: pessoas que viviam “solitárias” se sentiram acolhidas novamente.
Dentro dessa população, muita gente foi “sequestrada” com promessas de segurança e estabilidade tais quais estavam disponíveis entre o período que durou de 1964 a 1985.
Entre 2019 e 2022, o então presidente da República (além de ter tido uma das piores conduções da pandemia de Covid-19), dava declarações absurdas como formas de testar população e a mídia e assim, enxergar até onde podia chegar.
Não é absurdo dizer que em 4 anos, regredimos quase 2 décadas em diversas áreas: país de volta ao mapa da fome; aumento de desemprego; desvalorização do real, sucateamento da saúde, pessoas trabalhando na informalidade (quando não estavam em condições de escravidão).
Tudo isso, enquanto uma minoria continua a aumentar seus ganhos. Pensei ter ouvido em algum momento que a mamata iria acabar.
Vieram as eleições de 2022, o falso messias perdeu de forma democrática nas urnas e felizmente graça a incapacidade de seus parceiros de governo, não só gravou uma reunião onde se tramou um golpe de estado, como não conseguiram colocá-lo em prática.
Ficou inelegível, sim.
Contudo, no último domingo, dia 25 de fevereiro de 2024, diante de uma “Avenida Golpista”, cujo público era majoritariamente mais velho, composto por “tios e tias do zap” massa de manobra incapazes de pensar por si só, que ainda flertam com a ditadura e não têm mais a jogatina como entretenimento, ficou claro que esse senhor, hoje ex-presidente ainda arrasta multidões.
No seu discurso, se diz ser um arauto da bondade e que combate tudo o que ele na verdade é. Resultado de uma dissonância cognitiva ferrenha, misturada com toques de religião e fake news.
Possui uma comunicação assertiva nas redes e nos grupos de aplicativos de mensagem que a “esquerda” ainda não foi (e não sei se será) capaz de fazer.
O evento, apelidado pela esquerda mais raiz/radical de “carna gado”, foi um espetáculo midiático para encher redes sociais e grupos de aplicativo, diante de uma eventual prisão do ex-presidente.
Embora sintamos vontade de zoar o público ali presente, pela ausência inteligência e bom sendo sobre uma série de temas, inclusive com dificuldade de discernir o que é real do que é falso, isso não deve ser feito.
É preciso lembrar do que dizia Elis Regina há alguns anos: “Cuidado meu bem, há perigo na esquina”.
O país segue rachado, há ainda um clima de “nós contra eles” que deve perdurar por um bom tempo.
Talvez se os bingos ainda fossem liberados, os defensores do fajuto capitão não teriam ido para a frente dos quartéis, tampouco clamariam por golpe de estado.
É o que muita gente tem dito há algum tempo: O Brasil não é para amadores.
Parabéns, Murilo! Essa, além da assertividade, conseguiu reunindo fatos, relembrar para quem algum fato esqueceu, que "ser brasileiro" não é para amadores. Vou enviar essa para "amigos plitizados".